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  • Foto do escritorVictor Canongia

Maçonaria e Religião - Parte 2

Filosofia e Metanarrativa na Maçonaria

Continuando a série (Maçonaria e Religião), neste artigo eu irei abordar dois temas, Filosofia e Metanarrativa, para então uni-los ao conceito de Maçonaria e finalmente responder a primeira pergunta da nossa série: Maçonaria é Religião?

Vou começar por Filosofia, que é o estudo de questões gerais e fundamentais sobre a existência, o conhecimento, os valores, a razão e a mente. Os métodos filosóficos incluem o questionamento, a discussão crítica, o argumento racional e a apresentação sistemática. Logo de início, por esta pequena descrição, percebemos que a Filosofia vai de encontro com a religião, pois a primeira precisa de provas para se crer e a segunda não.


As questões filosóficas clássicas incluem: É possível saber qualquer coisa e provar que se sabe? O que é mais real? Os seres humanos têm livre arbítrio?


No passado a Filosofia englobava todos os tipos de conhecimento, incluindo a astronomia, a fisiologia humana e natural, o homem e o cosmos. Questionamentos existenciais como: De onde eu vim? Se a morte é certa, para onde irei? Qual o verdadeiro sentido da vida?


Sendo assim, clérigos, filósofos e escritores compartilhavam dos mesmo estudos, extraindo o que era útil para sustentar as suas teses. Já no século XIX, com o crescimento das universidades de pesquisa modernas a Filosofia Acadêmica foi levada, juntamente com outras disciplinas a se profissionalizarem e a se especializarem.


Os principais tópicos da Filosofia Acadêmica são a Metafísica, a Epistemologia, a Ética, a Estética, a Filosofia Política, a Lógica e a Filosofia da Ciência.


Não é o intuito do presente artigo falar especificamente sobre Filosofia, mas ressaltar que a Filosofia, assim como a Religião, faz parte do Poder Ideológico (como exposto no artigo Maçonaria e Religião - Parte 1) e é uma das engrenagens de um sistema que visa validar ou contrapor-se ao sistema político vigente. Nós sempre iremos encontrar um movimento filosófico pendular, ora apoiando, ora se contrapondo aos diversos governantes, influenciadores e instituições.


A Maçonaria, em seus diversos graus e estudos, desenvolve alguns dos temas da Filosofia Acadêmica, mas sob uma ótica muito própria. Um dos objetivos da Ordem é formar um maçom com uma visão filosófica clássica, ou seja, um amante da sabedoria, mas ao mesmo tempo consciente das problemáticas éticas e morais dos dias de hoje. A Religião também se utiliza de princípios filosóficos e teológicos na formação seminarista e catequista.


Embora alguns princípios sejam eternos, esta visão contemporânea varia, como não deixaria de ser, com o tempo e o espaço. Por exemplo: a luta pela liberdade pode variar de foco conforme o local e o período e vai desde a luta pela escravidão e libertação dos escravos no Brasil durante o século XIX até a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1987.


Uma frase muito utilizada em alguns Ritos é: "... erguer templos à virtude e cavar masmorras ao vício..." Com esta frase o maçom será convidado a estudar Platão, Aristóteles e os estoicos. Alguns até irão explorar Tomás de Aquino.


Após as leituras realizadas, as reflexões e comentários feitos em Loja, o maçom irá procurar colocar a teoria na prática. Vivenciando e desenvolvendo o que foi estudado de grau em grau. Aqui encontramos um ponto em comum com a religiosidade, que é trazer para a vida pessoal a interpretação da vivencia particular do aspecto metafísico adquirido, ainda que este oculto tenha origem nas reflexões mais intimas. Este é o principal trabalho do maçom, buscar agir de forma positiva no mundo material, quer seja consigo mesmo, com a família ou com a sociedade.


A Filosofia sempre foi o ponto de intercessão entre a Física e a Metafísica, entre a Anatomia e a Antropologia, entre a Doxa e a Aletheia. O estudo, a compreensão e o posicionamento frente a estes temas leva a criação das diversas narrativas que compõe os diferentes mitos e habitus. (como exposto no artigo Maçonaria e Religião - Parte 1). As Religiões e a Maçonaria se utilizam de ferramentas semelhantes para inserir a Filosofia nas suas respectivas Metanarrativas.


Para a Filosofia, uma Metanarrativa assume o sentido de uma grande narrativa, uma narrativa de nível superior capaz de explicar todo o conhecimento existente ou capaz de representar uma verdade absoluta sobre o universo, como a Bíblia e o Alcorão.


Já para a Psicanálise a Metanarrativa é o conjunto de todas as experiências vividas por uma pessoa. Cada evento, bom ou ruim, é denominado de narrativa. Ao longo da vida o indivíduo vai formando a sua Metanarrativa, que é a soma inconsciente de todas as narrativas vividas. Uma mesma experiência pode ter sido ótima para Fulano, mas péssima para Sicrano. Um evento, seja qual for, terá múltiplas narrativas, algumas bem próximas e outras totalmente opostas.


Entender este ponto é fundamental, porque cada povo, cada raça e cada época têm a sua Metanarrativa. Pessoas preconceituosas só enxergam a própria Metanarrativa, pois acreditam esta ser a única verdade.


Os Poderes Econômico e Políticos utilizam o combate ideológico por meio dos conflitos metanarrativos. Por exemplo: As lutas religiosas como as Cruzadas do Sec. XII ou os movimentos jihadistas da modernidade.


Ao se estudar História e Filosofia, de forma séria, sem ideologismos políticos ou religiosos pode-se ter uma vaga ideia das mãos que manipulam as marionetes. Ainda que a própria Metanarrativa do pesquisador sempre irá pesar na interpretação e no registro dos fatos.


Cada narrativa tem um porquê, são elas que irão formar o mito na visão de Yuval Harari e também serão delas que surgirão os habitus na visão de Pierre Bourdier. (como exposto no artigo Maçonaria e Religião - Parte 1).


A Maçonaria utiliza de narrativas para construir a Metanarrativa do maçom, e isto ocorre durante os rituais e o convívio em Loja. Cada Rito tem uma narrativa, por isso que cada Rito tem uma personalidade. Mais uma vez eu repito: A Maçonaria varia conforme o tempo (que possui sua própria narrativa), o lugar (que possui a sua própria narrativa) e o Rito (que também possui a sua própria narrativa).


Ao estudarmos um fato que envolve a Maçonaria é preciso levar em conta a Metanarrativa maçônica e o habitus do tempo e espaço. Trazer para o presente situações e fatos pontuais do passado não fazem o menor sentido no agora. Servem apenas para entendermos as causas que influenciaram os fatos atuais.


As narrativas, dependendo do contexto no qual ela é apresentada, tem fortes impactos psicológicos e é justamente este choque de impressões que irão ecoar na psique do maçom. Este ato, deverá ser estudado e balizado pelos princípios filosóficos já mencionados.


Como a Maçonaria nasceu no meio da cultura europeia foi mais fácil se utilizar das narrativas bíblicas para desenvolver as Metanarrativas Maçônicas. Ou seja, uma determinada passagem bíblica ou alguma lenda relacionada à passagem bíblica é mais facilmente assimilada do que qualquer outra. É mais fácil para os estudos e afasta-se de possíveis acusações de práticas heréticas.


A Maçonaria nasceu formalmente em 1717, em meio a um mundo cansado de tantas guerras e massacres religiosos entre cristãos. Adota, inicialmente, a narrativas cristãs. Aos poucos, conforme o tempo vai passando, novos temas vão sendo inseridos no corpo de alguns Ritos. Surgem numerosas narrativas como as egípcias, templárias, gnósticas, herméticas, teosóficas e que vão sendo incorporadas à tradição maçônica.


Alguns Ritos tornam-se tão diferentes da Maçonaria original que se separam da Maçonaria e se transformam em outras Ordens. É assim que muitas Ordens Místicas e Esotéricas nasceram. Elas foram formadas no meio maçônico, mas que resolveram traçar outros objetivos e regras, criando as suas próprias Metanarrativas.


No final do Sec. XVIII e o início do Sec. XIX existiam mais de cem Ritos sendo praticados na Europa. Alguns muito semelhantes e outros totalmente diferente do que deveria ser Maçonaria. A economia mundial mudou, monarquias desapareceram, novas descobertas no campo da ciência surgiram, o mundo se transformou e continua a se transformar. As narrativas se atualizam neste processo.


Talvez eu vá cansar o leitor com esta retórica, mas Maçonaria é composta por vários Ritos. Cada Rito tem sua personalidade. Antes de criticar a Maçonaria ou um maçom é importante analisar o Rito, o tempo, o lugar e as pessoas.


Voltando o eixo central, vamos intercambiar a Filosofia com a Metanarrativa e entender alguns Ritos:

- O Rito Moderno é um Rito laico que abriga diversas formas de filosofias como o deísmo, o panteísmo e o agnosticismo. Em 1877 houve uma grande reforma doutrinária na Maçonaria que suprimiu a obrigatoriedade da crença em Deus e da imortalidade da alma. Não como uma afirmação do ateísmo, mas por respeito à liberdade religiosa e de consciência, já que as concepções religiosas de uma pessoa devem ser de foro íntimo e não impostas.

- O Rito Escocês Antigo e Aceito passou por diversas revisões, embora sua Metanarrativa ainda seja predominantemente cristã, mas em termos de princípios procura uma posição conciliadora entre o deísmo e o teísmo desde 1875 afirmando a crença na existência de um Princípio Criador, o Grande Arquiteto do Universo.

- O Rito Escocês Retificado é um Rito que possui uma Metanarrativa cristã, mas ele é não confessional.

- O Rito Inglês (Ritual de Emulação) é eclético, permitindo que o Livro das Sagradas Escrituras, que deve estar presente em todas as sessões, seja aquele que a Loja resolver escolher, podendo ser a Bíblia, a Torá, o Alcorão, o Livro de Mórmon ou qualquer outro livro que manifeste a revelação da vontade divina.

Citei apenas estes quatro exemplos para mostrar as sutis diferenças entre cada Rito, e elas não param por aí. O número de graus variam de Rito para Rito, e embora alguns Ritos compartilhem da mesma narrativa a interpretação de um mesmo mito varia conforme o tempo e a leitura que o cada faz Rito.


Para facilitar a pesquisa do leitor irei definir alguns termos:

- Teísmo: doutrina comum às religiões monoteístas e sistemas filosóficos inclinados ao fideísmo, caracterizada por afirmar a existência de um único Deus, de caráter pessoal e transcendente, soberano do universo e em intercâmbio com a criatura humana

- Deísmo: doutrina que considera a razão como a única via capaz de nos assegurar da existência de Deus, rejeitando, para tal fim, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada. O deísmo difundiu-se principalmente entre os filósofos enciclopedistas e foi o precursor do ateísmo moderno.

- Agnosticismo: doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica.

- Panteísmo: doutrina filosófica caracterizada por uma extrema aproximação ou identificação total entre Deus e o universo, concebidos como realidades conexas ou como uma única realidade integrada.

- Fideísmo: doutrina teológica que, desprezando a razão, preconiza a existência de verdades absolutas fundamentadas na revelação e na fé

- Ateísmo: doutrina ou atitude de espírito que nega categoricamente a existência de Deus, asseverando a inconsistência de qualquer saber ou sentimento direta ou indiretamente religioso, seja aquele calcado na fé ou revelação, seja o que se propõe alcançar a divindade em uma perspectiva racional ou argumentativa

- Laico: aquele que é independente à influência, ao controle da Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral, sobre as instituições e os serviços públicos. Em sentido mais amplo, livre de toda confissão religiosa.

- Não confessional: significa apenas não regrado por normas de instituições religiosas.


Podemos afirmar hoje, em meio ao Sec. XXI, que baseado nas qualificações dos Ritos apresentados, a Maçonaria não se apresenta como uma religião.


Por que a Maçonaria não é religião?

Porque para ser religião na visão ocidental (como exposto no artigo Maçonaria e Religião - Parte 1) são necessárias duas coisas:

- Crença no sobrenatural, incluindo a fé em um deus; e

- Regras para ditar o modo de viver e se relacionar com a doutrina pregada pelo grupo religioso.


Uma organização que faculta a crença no sobrenatural, não pode ser chamada de religião, ao menos em uma definição macro da Maçonaria. Ao estudarmos especificamente alguns Ritos do universo maçônico podemos nos aproximar do conceito religare (como exposto no artigo Maçonaria e Religião - Parte 1), mas faltará a imposição das regras sociais, que é o segundo ponto para se encaixar no conceito de religião descrito anteriormente.


Os maçons se entendem como livre pensadores e como tal são estimulados a trabalhar as virtudes e controlar os vícios, mas sem imposições ou julgamentos. Apenas o aflorar da consciência, conforme o tempo de cada um. Por amar a liberdade acima de tudo, os maçons se posicionam contra a imposição destes preceitos, mas estimulam o irmão na busca do belo, do verdadeiro e do justo.

A Maçonaria não é uma religião, nem quer substituir qualquer religião. Estimula os seus membros na busca da compreensão em um Ser Maior, mas não defende nenhuma fé ou prática sectária. Alguns Ritos possuem orações, tanto tradicionais como extemporâneas, para reafirmar ou lembrar da ligação que existe entre a Física e a Metafísica.


A Maçonaria está aberta a homens de qualquer religião, inclusive ateus, mas a religião e a política não devem ser discutidas nas reuniões maçônicas.


Contudo observa-se que existe um ponto em comum entre a Maçonaria e as religião, que é a busca de se tornar uma pessoa melhor e desta forma replicar nos círculos sociais o que de positivo aprendeu nas experiências advindas das reflexões e dos estudos filosófico. Isto posto, alguns membros desenvolvem o que eu poderia, humildemente, chamar de religiosidade maçônica. Nem todos os irmãos irão desenvolver este aspectos, mas alguns irão e de livre vontade.


Respondida a primeira pergunta da nossa série, ou seja, Maçonaria não é religião. Vamos a próxima questão: Não sendo a Maçonaria uma religião, por que tantas controvérsias entra ambas? Qual a Relação da Igreja com a Maçonaria?


Isto nós veremos nos próximos artigos.


Veritas et Virtus

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