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  • Foto do escritorVictor Canongia

Os Mistérios Menores eleusinos

S

obre os mistérios, podemos começar com Platão (428 AEC - 347 AEC) em sua obra Fedon:


"Admito que possuíam iluminação os homens que estabeleceram os Mistérios e que, em realidade, tiveram intenção velada ao dizerem, há longo tempo, que quem quer que vá para o outro mundo sem estar iniciado e santificado jazerá no lodo, mas quem chegar ali iniciado e purificado, morará com os deuses."


Aristóteles (384 AEC - 322 AEC) fala sobre a satisfação e a felicidade daqueles que foram iniciados por não precisarem se preocupar mais com um duro advir. Sófocles (497 AEC - 405 AEC) afirmou: "Apenas aqueles iniciados nos Mistérios Eleusinos podem ter esperança no final de suas vidas e pela Eternidade."


Como eles, diversos outros estimados escritores e filósofos da antiguidade também falaram sobre a importância e o que significava ser iniciado em Elêusis. Era um ato que consistia em uma fonte de felicidade, na mais bem-aventurada das iniciações, pela qual todos os males do futuro eram subtraídos e o que restava era uma vida plena e tranquila.


Esses Mistérios eram cerimônias praticadas em um santuário que se localizava na cidade de Elêusis, a 21km de Atenas (Grécia). Um local sagrado e dedicado à deusa Deméter. Hoje, ele é aceito como um dos mais importantes ritos do mundo antigo.


Tornou-se famoso pelo seu alcance e duração (ele existiu entre os séculos 6 AEC e 4 EC, aproximadamente de mil anos). Seu caráter democrático (todos eram aceitos: homens, mulheres, escravos) foi fundamental para a sua popularidade.


Quando o imperador romano Constantino (272 EC - 337 EC) passou a promover o cristianismo, no início do século IV EC, as religiões não cristãs foram proibidas e os seu templos destruídos. Infelizmente, em 395 EC, os povos germânicos destruíram o complexo de Elêusis.


Todo o cerimonial era dividido em duas partes ao longo do ano: os Mistérios Maiores e os Mistérios Menores. O primeiro ocorria do dia 15 ao dia 21 do mês de Boedromion (variando entre setembro e outubro) e o segundo entre os dias 20 e 26 do mês Anthesterion (variando entre fevereiro e março). Originalmente os Mistérios Menores tiveram uma existência independente, mas após a anexação de Elêusis por Atenas esses ritos foram acoplados aos Mistérios Maiores, os candidatos à iniciação nos Maiores eram obrigados a passar primeiro pela iniciação no Menor.


A prática anual dos ritos, que ocorriam durante sete dias do mês de Anthesterio, era desenvolvida apenas na cidade de Elêusis, ao contrário do que ocorriam com os outros templos e santuários espalhados por todo o mundo grego.


Este ano de 2020, os Mistérios Menores serão celebrados entre os dias 14 e 20 de fevereiro.


Em ambos os Mistérios as cerimônias eram realizadas em dois eventos: uma pública e uma reservada. Aqueles que iam ser iniciados em Elêusis, denominados de mystikos (daí a origem da palavra místico), deveriam participar de um ritual de purificação antes de se recolherem.


Nas práticas públicas ocorriam as procissões entre Atenas e Elêusis, festas e encenações. Da parte oculta pouco sabemos, mas o que chegou aos nossos dias é que a celebração era realizada dentro do Telestérion, um local único dentre os santuários gregos. Diferentemente de um templo normal onde no interior estava somente a imagem do deus cultuado, o Telestérion de Deméter foi construído para alojar milhares de pessoas ao mesmo tempo, e era lá dentro que aconteciam os Mistérios.


Telestérion de Demeter

Nos Mistérios não havia um ensinamento, nem um dogma a ser seguido, característica essa presente sempre nas práticas religiosas do mundo grego. O mais importante era o sentimento pessoal que era estimulado. Não se aprendia com algum ensinamento específico, mas por meio de uma emoção que era vivenciada através daquilo que era mostrado.


Os iniciados mantiveram em segredo o que acontecia lá, de modo que nossas fontes de informações sobre tais rituais são muito limitadas. A escolha e o processo de cooptação dos candidatos eram rigorosos, sendo patrocinada pela própria polis ateniense. A legislação que Sólon (638 AEC- 558 AEC) redigiu para Atenas continha punições para aqueles que transgredissem as regras de silêncio exigidas em relação aos rituais e ensinamentos comunicados aos iniciados.


Há uma lenda que ligava Heracles (Hércules) a esses mistérios e explicava que ele era incapaz de participar dos rituais por ser um "estrangeiro", então os Mistérios Menores foram instituídos em seu nome. As esculturas mostram Heracles se purificando, em companhia de Deméter, Perséfone e do portador da tocha eleusiniana. Não está claro se a purificação era apenas uma preliminar ou a principal característica desses Mistérios Menores, mas muitas culturas realizavam rituais de purificação na primavera, coincidindo com o primeiro crescimento de plantas.


Cabe ressaltar que a purificação era um ato ritualístico e ao mesmo tempo de higiene. Os Mistérios Menores começavam no florescer e no desgelar das neves. Vale lembrar que não havia o hábito do banho diário, pior ainda durante o Inverno. Então, o banho visava principalmente a certificação das condições de salubridade do candidato à iniciação.


Outro fato interessante é a "coincidência" da data dos festivais eleusinos e as comemorações celtas: dentro da cultura celta, nesta mesma época, acontecia também Imbolc que é o Festival do Fogo o qual celebra o início do despontar da Primavera. Este Sabbat representa os novos começos, o crescimento individual e o momento de semear projetos. Na Europa, a mesma data foi utilizada para celebrar, por meio de uma procissão de archotes, a purificação e a fertilização dos campos antes da estação do plantio das sementes e para agradecer às várias deidades e espíritos relacionados com este evento.


Fechando as notas de observações, poderíamos analisar as marcas deixadas no céu e supor que o símbolo do signo astrológico de Aquário, que é o aguadeiro, pode ser associado à imagem do ritual de purificação dos Mistérios Menores (que ocorrem durante este signo zodiacal). O símbolo do signo astrológico de Virgem pode ser vinculado à deusa Deméter e aos Mistérios Maiores (que ocorrem nessa estação), lembrando que a estrela mais brilhante desta constelação (Alfa Virginis) tem o nome de Espiga (Spica) que é o simbolo da deusa Demeter.


Como visto, no decorrer dos dias do festival, aqueles que iriam passar pelas provas deviam se purificar exterior e interiormente. Este ato ocorria por meio de banhos e de uma alimentação frugal (livre de carne e bebidas alcoólicas).

Além do acrisolamento, os Mistérios Menores incluíam representações dramáticas da lenda das duas Deusas (Demeter e Perséfone) que serviriam para lembrar as pessoas da conexão com as estações do ano e o ciclo da colheita. Também dava-se enfase na importância de se trabalhar as virtudes.


Deste modo, os Mistérios Menores faziam parte do ciclo sagrado dos cereais na Grécia antiga, junto com a Proerosia (outubro), Thesmophoria (também outubro), Haloa (dezembro), Thargelia (maio), Skirofhoria (junho) e, é claro, os Mistérios Maiores eleusinos (setembro).


Os ritos eleusinos foram desenvolvidos a partir dessa simbologia: de um lado tratava-se de agradar a deusa para que ela abençoasse a terra e proporcionasse boas colheitas e de outro promovia um renascimento psicológico nas pessoas que eram iniciadas nesses rituais.


Tais praticas sobreviveram como legado em diversas Ordens e Organizações Iniciáticas, incluindo a Maçonaria, pois todas evocam a necessidade de uma morte ritual e uma regeneração do iniciado como condição essencial à sua passagem de um estado de consciência profana para uma consciência superior.


O ato iniciático serve como uma introdução às regras e a necessidade do buscador se tornar uma pessoa purificada de atos e ideias. Após os rituais preliminares, os renascidos começavam a aprender a verdadeira importância dos mitos helênicos. Descobriam, finalmente, que tais narrativas eram alegorias que continham ensinamentos morais, históricos e psicológicos da mais profunda relevância. Essas alegorias hospedavam a verdadeira sabedoria iniciática, as quais somente alguns privilegiados puderam adquiri-la.


Com seu objetivo disciplinador, Elêusis conduzia os seus discípulos por uma escola de treinamento espiritual, onde a mente do homem era preparada para o exercício de uma consciência superior, tornando-o capaz de exercer na sociedade um papel diferenciado.


Se as muitas Ordens espalhadas por aí fossem devidamente entendidas pelos que nelas se iniciam, e realmente levadas a sério, certamente se poderia obter um resultado semelhante aos que os helenos conseguiram com as práticas dos Mistérios de Elêusis, ou seja, a geração de uma plêiade de homens e mulheres realmente virtuosos.




Veritas et Virtus

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